Chiquinha Gonzaga
Chiquinha Gonzaga
Pilar da formação da identidade brasileira, a música popular - e a literatura a ela associada nas letras de música - teve gênese pelas mãos de diversos artistas do final do século dezenove e início do século vinte. E umas das mais importantes contribuições veio de uma mulher: Chiquinha Gonzaga.
Biografia
Francisca Edwiges Neves Gonzaga nasceu no Rio de Janeiro em 1847, no auge do Segundo Reinado de Dom Pedro II. Era filha do marechal-de-campanha (à época, major) Carlos Gomes da Rocha, integrante da elite militar imperial, e de Rosa Maria Neves Gonzaga, uma mulher alforriada, filha de escravizados. Devido às complicações do parto, a recém-nascida Francisca correu risco de morte, e chamou-se às pressas um padre para batizá-la.
Recebeu uma educação esmerada, pouco comum para mulheres do período: estudou letras, matemática, latim, francês e piano. Desde cedo, tomou contato com a música popular urbana em formação - polcas, habaneras, lundus -, num momento em que ritmos estrangeiros começavam a se mesclar às tradições afro-brasileiras, contribuindo para a identidade musical do século XIX.
Em 1863, aos 16 anos, e a contragosto, casou-se por imposição paterna com o jovem oficial de marinha e depois proprietário rural da Ilha do Governador, Jacinto Ribeiro do Amaral, levando como dote o piano. Ainda em 1863 teve seu primeiro filho. A dedicação intensa ao instrumento causava desconforto ao marido e tornou-se fonte constante de conflito. Num episódio de ira, o marido quebrou seus dedos com a tampa do teclado.
Para afastá-la da música, o marido a levava em viagens de negócios, transportando de navio escravos para lutar na Guerra do Paraguai. As desavenças continuaram até que Francisca optou pela separação - decisão escandalosa para a época, sobretudo para uma mulher jovem. Sofreu rejeição da família e foi impedida de criar os filhos, prática social comum no século XIX, em que a guarda costumava privilegiar o pai.
Aos 23 anos, em 1870, apaixonou-se por um engenheiro, João Batista de Carvalho, com quem se mudou para o interior de Minas Gerais, onde ele trabalhava na construção de uma estrada de ferro. Em 1875, o casal retornou ao Rio de Janeiro, onde nasceu a filha dos dois. No ano seguinte, romperam a relação, e Francisca novamente perdeu a guarda da criança.
O maestro Joaquim Callado - figura central do choro - acolheu e amparou Francisca no momento mais difícil. Sob sua influência, ela passou a dar aulas de piano e a tocar em casas noturnas como musicista profissional, algo inédito para uma mulher de sua origem social. Em 1877, publicou sua primeira composição. No ano seguinte, foi condenada à separação perpétua do marido, acusada pelos crimes de abandono de lar e adultério, conforme a legislação vigente.
A partir de 1885, estreou como compositora teatral e rapidamente se tornou uma das artistas mais requisitadas do teatro de revista carioca. Frequentava rodas de música popular, convivia com maestros, músicos, compositores e intelectuais e tornou-se uma figura conhecida na boemia e na cena artística. Morando no Andaraí, ouviu certo dia o ensaio do bloco carnavalesco Rosa de Ouro e, inspirada, compôs a primeira marcha carnavalesca de sucesso, "Ó Abre Alas", em 1899 - um marco definitivo na história da música brasileira.
Ainda em 1899, conheceu o jovem imigrante português João Batista Fernandes Lage, de 16 anos, com quem viveu até o fim da vida. Para evitar escândalos, ela o registraria publicamente como seu “protegido”. Em 1917, participou da fundação da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT), a primeira entidade brasileira dedicada à proteção e regulação dos direitos autorais, uma iniciativa visionária que transformaria o mercado artístico nacional.
Além de sua intensa atividade musical, Chiquinha engajou-se em causas sociais: militou pelo abolicionismo, organizou eventos beneficentes, defendeu o acesso das classes populares às artes e atuou ativamente em campanhas de libertação de escravizados, doando lucros e compondo obras para arrecadar fundos.
Francisca Edwiges Neves Gonzaga faleceu aos 87 anos, em 1935, reconhecida como pioneira na profissionalização da música no Brasil, primeira mulher a reger um teatro e uma das grandes formadoras da identidade musical urbana nacional.
Poemas
O cozinheiro | Amendoim | A noiva | Menina faceira | Feijoada do Brasil | Ó abre alas | Os namorados da lua | Dueto de amor
Para consultar
Edições digitais de suas obras estão disponíveis em Chiquinha Gonzaga.Para aprofundar o estudo sobre Chiquinha Gonzaga:
Alves, C. G. (2020). “Ô abre alas que eu quero passar”: rompendo o silêncio sobre a negritude de Chiquinha Gonzaga. Proa: Revista de Antropologia e Arte, 10(1), 18-36.
Cesar, R. D. N. (2018). De Francisca a Chiquinha: o pioneirismo insuspeito de Chiquinha Gonzaga. Tempo Social, 30(1), 305-324.
Cruz, A. C. . (2022). Chiquinha Gonzaga, uma mulher à frente de seu tempo e a formação de música popular brasileira. Revista Ibero-Americana De Humanidades, Ciências E Educação, 8(5), 1319–1328.
da Costa Bento, M. M. L. (2018). Chiquinha Gonzaga e o teatro musical brasileiro do século XIX. Revista Trilhas da História, 7(14), 120-137.
de Abreu, S. P. (2016). Chiquinha Gonzaga e o teatro musicado. 12º Colóquio de Pesquisa, 81.
do Nascimento Cesar, R. (2013). Alas e luas brancas: gênero, performance e música em Chiquinha Gonzaga. Primeiros Estudos, (4), 24-33.
Felizardo, I. N., & de Araújo Filho, A. R. (2025). A inserçao da mulher no campo da música através do protagonismo de Chiquinha Gonzaga. LUMEN ET VIRTUS, 16(46), 1807-1819.
Felizardo, I. N., & de Araujo Filho, A. R. (2024). The composer Chiquinha Gonzaga: breaking paradigms and “opening wings”. CONCILIUM, VOL. 24, Nº 4, 2024, ISSN: 0010-5236
Fortunatti, M. A música de Chiquinha Gonzaga no Rio de Janeiro da Belle Epoque.
Gomes, R. C. S. (2020). O acervo Chiquinha Gonzaga em narrativas autobiográficas. OPUS, 26(1), 1-32.
Justino, G. (2023). The sacred music of Chiquinha Gonzaga. Comparative Cultural Studies: European and Latin American Perspectives, (16), 27–54.
Martins, M. (2010). Chiquinha Gonzaga: uma Marca no Teatro de Revista, na Música Popular Brasileira, no Brasil. Fazendo Gênero, 9, 23-26.
Mello, D. (2023). Chiquinha Gonzaga: a woman in song. Comparative Cultural Studies: European and Latin American Perspectives, (16), 13–25.
Rocha, M. (2012). Chiquinha Gonzaga: Transgressão, Sucesso e Memória. A Relação entre a Compositora ea Teoria Social do Escândalo. II Colóquio Internacional de História da Arte e Cultura, Juiz de Fora, UFJF.
Silveira, A. M. (2022). Chiquinha Gonzaga: uma reflexão sobre música e (sobre) vivência feminina. V Encontro Nacional do GT de Estudos de Gênero da ANPUH-Brasil.
Sylvestre, M. L. M. (2023). Muito além de Lua Branca: as canções de câmara de Francisca Gonzaga. Comparative Cultural Studies: European and Latin American Perspectives, (16), 77-91.
Tibúrcio, C. (2023). The musical comicaly of Chiquinha Gonzaga and its resonance with the singing clowns of Brazil. Comparative Cultural Studies: European and Latin American Perspectives, (16), 107–119.
