Para quê periodizar a literatura?
A periodização é uma ferramenta do estudo da história da literatura. Ela é útil para identificar características predominantes em determinados momentos do passado, ou para traçar a relação entre literatura e o contexto sócio-cultural.
Apresenta, no entanto, limitações. Pode simplificar as transições entre um momento e outro. Pode reduzir complexidades dentro de um mesmo período. Periodizações variam segundo os critérios adotados por quem investiga a história da literatura.
Diversos estudiosos propuseram esquemas de periodização, refletindo suas perspectivas teóricas e metodológicas. Ao longo da história da literatura, os esquemas anteriores caducaram, enquanto novas formas de abordar o passado literário emergiram.
No caso brasileiro, existiu, no entanto, um traço comum nas distintas interpretações de nossa história literária: a tentativa de compreender a formação de uma identidade cultural brasileira.
Como ressalta Antônio Cândido, a literatura e a cultura dominante no Brasil constituem um produto da colonização. A literatura brasileira se formou a partir do transplante da literatura portuguesa para terras tupiniquins.
A investigação de Romero partia da ideologia cientificista - pela qual fatores como meio, raça, evolução social determinariam a cultura -, e em que pesava a visão eugenista da superioridade branca europeia. Trazia consigo, portanto, o viés de sua época. O cientificismo constituía um instrumento simbólico de legitimação do colonialismo, que contaminava a grande maioria das expressões culturais (e que não se superou até o presente).
A obra se marcava por uma contradição. Romero importa um modelo europeu de interpretação cultural e literária. Por outro lado, valorizava o nacionalismo e o desenvolvimento de uma literatura brasileira autônoma.
Romero identificou a mestiçagem como elemento de concepção da identidade brasileira. Em vez de imitar estrangeirismos, a literatura nacional deveria assumir as cores locais. Seguindo essa premissa, ele dividiu a história da literatura brasileira em quatro grandes fases.
O período de formação, de 1500 a 1750, iniciado com a chegada de Pero Vaz de Caminha ao litoral da Bahia, estaria ainda submisso aos modelos literários do velho mundo. O período de desenvolvimento autonômico, de 1750 a 1830, introduz um impulso de autonomia à literatura brasileira pelas mãos dos poetas do Arcadismo mineiro.
Depois viria o período de transformação romântica, de 1830 a 1870. Associado à independência do país de Portugal, de quem nos afastamos literariamente, os autores dessa fase sofrem da imitação do romantismo francês. Por último, no período de reação crítica, de 1870 em diante, reinstaura-se o impulso independente, pelo realismo e pelo naturalismo, de nossa brasilidade.
Compreendendo o período entre 1601 e 1908, a obra teve a virtude de minimizar o cientificismo, com ênfase em autores e obras que demarcassem a 'evolução' da literatura brasileira na direção da autonomia em relação a Portugal e Europa.
A obra propõe uma linha divisória radical. Primeiro haveria o Período Colonial, do barroco até o final do século XVIII. Nele, a literatura se produzia pela imitação da Europa, em particular da escola espanhola, sendo expressão de uma sociedade sem caráter próprio, inculta e grossa.
Gregório de Matos seria uma exceção. Alguns poetas do Arcadismo mineiro se encontrariam num estágio de transição entre a cópia e a brasilidade.
Em seguida viria o Período Nacional, a partir de 1808. De acordo com Veríssimo, nesse período convergem a emancipação política e cultural do país, tendo o Romantismo como primeiro representante literário.
Coutinho se alinhava a uma nova crítica literária, para a qual a literatura seria um fenômeno com autonomia frente ao contexto sócio-cultural, a partir de valores estéticos. O critério de periodização, portanto, deveria se basear no estilo em vez da divisão por séculos ou ligada a períodos históricos gerais.
Na 'A Literatura no Brasil', a divisão se organiza em eras (sem a determinação de datas rígidas), segundo o estilo predominante: a Era Barroca/Neoclássica, a Era Romântica, a Era Realista/Transição e a Era Modernista
A Era Barroca/Neoclássica (séculos XVII e XVIII) incluía desde os primeiros registros coloniais, passando pelo Barroco (como Gregório de Matos) até o Neoclassicismo e Arcadismo (como Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga).
A Era Romântica (início do século XIX até cerca de 1880) abrangeria desde a publicação de Suspiros Poéticos e Saudades (1836), de Gonçalves de Magalhães, até os últimos românticos, como Castro Alves.
A Era Realista/Transição (cerca de 1880 até o início do século XX) se destacaria pela variação de estilos, englobando o Realismo (Machado de Assis), o Naturalismo (Aluísio Azevedo), o Parnasianismo (Olavo Bilac) e o Simbolismo (Cruz e Sousa).
Iniciando-se com a Semana de Arte Moderna, a Era Modernista (a partir de 1922) compreendia o movimento modernista em suas fases heroica (Mário de Andrade, Oswald de Andrade) e posterior, estendendo-se até meados do século XX com autores como João Cabral de Melo Neto e Guimarães Rosa.
A partir daí, ele avalia os movimentos literários do Arcadismo e do Romantismo, buscando esclarecer a formação de um sistema literário brasileiro, autônomo de sistemas do exterior. Candido articular história, sociologia e estética, sem se limitar a análises puramente estéticas ou cronológicas, valorizando tanto a forma literária quanto os processos sociais subjacentes à produção da literatura.
Mas a periodização da longa história da literatura brasileira aparece em outras obras de Candido, como em 'Iniciação à Literatura Brasileira'. O crítico considerava três grandes eras. A começar pela Era das Manifestações Literárias, entre o século XVI e o XVIII, de uma produção colonial, que ocorria associado ao sistema literário português. Incluía textos informativos (como A Carta de Pero Vaz de Caminha), religiosos e eruditos, além do Barroco.
Em seguida viria a Era de Configuração do Sistema Literário, que vai do século XVI ao meio do século XVIII. Fase de transição em que a literatura vai além de produções individuais, configurando-se como fato cultural - com um passado literário local (tradição) e maior receptividade de público.
O campo literário nacional se organiza em torno das academias científicas ou literárias. O arcadismo, em especial em Minas Gerais - pelas mãos de Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa e outros - expressava uma sensibilidade que se distancia da metrópole, embora ainda dentro de padrões neoclássicos.
Da segunda metade do século XIX em diante, Candido identifica a Era do Sistema Literário Consolidado. Ela abrangeria as tendências do fim do século XIX, o Modernismo dos anos de 1920) e as tendências posteriores.
Para Bosi, a história da literatura se estrutura a partir da história das obras literárias e de suas singularidades. Segundo ele, os textos de ficção constituem 'individuações 'descontínuas do processo cultural'. Tanto refletem aspectos das convenções de seu tempo (representativos), quanto introduzem variações, problematizações, rupturas ou mesmo negações.
Em 'A História Concisa da Literatura Brasileira', o ponto de partida é o complexo colonial de vida e de pensamento. Nos primeiros séculos, a atividade de exploração da colônia gerou ilhas sociais nas diversas capitanias, criando a fisionomia de um arquipélago cultural - subsistemas regionais, até hoje relevantes.
A formação de uma literatura brasileira passaria pelo fim da colônia, território que se caracteriza por ser apenas objeto de exploração, assumindo-se como sujeito (nação) de sua história. E também pela criação de um identidade nacional, que se manifestou, a princípio, como nativismo. O que se consolidaria após a independência do Brasil, em particular sob incentivos de Dom Pedro II.
Mas se trata de uma identidade fraturada, de uma nação que se desenvolvia sobre graves desequilíbrios. A herança colonialista se apresentaria sempre no contraste espinhoso entre universalismo e nacionalismo, observado, por exemplo, na fase dita heróica do modernismo, onde coexistiam uma volta ao Brasil real, interior, e uma importação de tendências europeias.
O período inicial analisado na 'A História Concisa da Literatura Brasileira' 'e o de Literatura de Informação (século XVI). Refere-se aos primeiros textos produzidos por viajantes e colonizadores portugueses, como a Carta de Pero Vaz de Caminha. Bosi trata esses escritos como documentos culturais, mais do que propriamente literários, marcados pela visão europeia sobre o "Novo Mundo".
Em seguida, o livro trata do Barroco (século XVII), um estilo de conflito entre valores espirituais e sensoriais. A obra de Gregório de Matos e o sermão de Padre Antônio Vieira expressariam essa dualidade entre fé e razão, corpo e alma, mundo e transcendência.
No Arcadismo ou Neoclassicismo (século XVIII), ligado ao Iluminismo, valorizava-se o ideal de uma natureza harmoniosa. Destacam-se os autores Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e Silva Alvarenga, bem como o papel da Inconfidência Mineira no fomento de noções locais de liberdade e civilização.
Em paralelo com a construção do Estado imperial, durante o Romantismo (c. 1836 – c. 1880) a literatura nacional ganhou maior autonomia. O Realismo (c. 1880 – c. 1922) introduziu uma mudança do do vago ao típico, do idealizante ao objetivo, ganhando sobriedade e rigor analítico.
Encerra-se o livro com o período do Modernismo (a partir de 1922), dividido em fase heróica, de experimentalismo estético, segunda fase, de amadurecimento, e pós-45. Bosi encerra sua obra explorando tendências contemporâneas, contemplando a literatura a partir da década de 1960.
Apresenta, no entanto, limitações. Pode simplificar as transições entre um momento e outro. Pode reduzir complexidades dentro de um mesmo período. Periodizações variam segundo os critérios adotados por quem investiga a história da literatura.
Diversos estudiosos propuseram esquemas de periodização, refletindo suas perspectivas teóricas e metodológicas. Ao longo da história da literatura, os esquemas anteriores caducaram, enquanto novas formas de abordar o passado literário emergiram.
No caso brasileiro, existiu, no entanto, um traço comum nas distintas interpretações de nossa história literária: a tentativa de compreender a formação de uma identidade cultural brasileira.
Como ressalta Antônio Cândido, a literatura e a cultura dominante no Brasil constituem um produto da colonização. A literatura brasileira se formou a partir do transplante da literatura portuguesa para terras tupiniquins.
Cientificismo de Sílvio Romero
Um dos pioneiros no estudo da história da literatura foi Sílvio Romero. Em 1888, Romero publicou 'História da Literatura Brasileira', abordando não apenas poesia e prosa em suas inúmeras manifestações, incluindo também escritos - com qualidades literárias - de historiadores, oradores, entre outros.A investigação de Romero partia da ideologia cientificista - pela qual fatores como meio, raça, evolução social determinariam a cultura -, e em que pesava a visão eugenista da superioridade branca europeia. Trazia consigo, portanto, o viés de sua época. O cientificismo constituía um instrumento simbólico de legitimação do colonialismo, que contaminava a grande maioria das expressões culturais (e que não se superou até o presente).
A obra se marcava por uma contradição. Romero importa um modelo europeu de interpretação cultural e literária. Por outro lado, valorizava o nacionalismo e o desenvolvimento de uma literatura brasileira autônoma.
Romero identificou a mestiçagem como elemento de concepção da identidade brasileira. Em vez de imitar estrangeirismos, a literatura nacional deveria assumir as cores locais. Seguindo essa premissa, ele dividiu a história da literatura brasileira em quatro grandes fases.
O período de formação, de 1500 a 1750, iniciado com a chegada de Pero Vaz de Caminha ao litoral da Bahia, estaria ainda submisso aos modelos literários do velho mundo. O período de desenvolvimento autonômico, de 1750 a 1830, introduz um impulso de autonomia à literatura brasileira pelas mãos dos poetas do Arcadismo mineiro.
Depois viria o período de transformação romântica, de 1830 a 1870. Associado à independência do país de Portugal, de quem nos afastamos literariamente, os autores dessa fase sofrem da imitação do romantismo francês. Por último, no período de reação crítica, de 1870 em diante, reinstaura-se o impulso independente, pelo realismo e pelo naturalismo, de nossa brasilidade.
José Veríssimo e os românticos
De uma geração posterior a Sílvio Romero, mas ainda um historiador e crítico que compartilhava dos mesmos vieses da época, José Veríssimo empreendeu um feito semelhante, investigando a formação da literatura nacional em sua 'História da Literatura Brasileira', de 1916.Compreendendo o período entre 1601 e 1908, a obra teve a virtude de minimizar o cientificismo, com ênfase em autores e obras que demarcassem a 'evolução' da literatura brasileira na direção da autonomia em relação a Portugal e Europa.
A obra propõe uma linha divisória radical. Primeiro haveria o Período Colonial, do barroco até o final do século XVIII. Nele, a literatura se produzia pela imitação da Europa, em particular da escola espanhola, sendo expressão de uma sociedade sem caráter próprio, inculta e grossa.
Gregório de Matos seria uma exceção. Alguns poetas do Arcadismo mineiro se encontrariam num estágio de transição entre a cópia e a brasilidade.
Em seguida viria o Período Nacional, a partir de 1808. De acordo com Veríssimo, nesse período convergem a emancipação política e cultural do país, tendo o Romantismo como primeiro representante literário.
Afrânio Coutinho e a nova crítica
A mais abrangente obra da história de literatura nacional foi editada entre as décadas de 1950 e 1980. 'A Literatura no Brasil', organizada por Afrânio Coutinho, reuniu cerca de sessenta especialistas para mapear a produção literária desde o período colonial até a fase modernista.Coutinho se alinhava a uma nova crítica literária, para a qual a literatura seria um fenômeno com autonomia frente ao contexto sócio-cultural, a partir de valores estéticos. O critério de periodização, portanto, deveria se basear no estilo em vez da divisão por séculos ou ligada a períodos históricos gerais.
Na 'A Literatura no Brasil', a divisão se organiza em eras (sem a determinação de datas rígidas), segundo o estilo predominante: a Era Barroca/Neoclássica, a Era Romântica, a Era Realista/Transição e a Era Modernista
A Era Barroca/Neoclássica (séculos XVII e XVIII) incluía desde os primeiros registros coloniais, passando pelo Barroco (como Gregório de Matos) até o Neoclassicismo e Arcadismo (como Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga).
A Era Romântica (início do século XIX até cerca de 1880) abrangeria desde a publicação de Suspiros Poéticos e Saudades (1836), de Gonçalves de Magalhães, até os últimos românticos, como Castro Alves.
A Era Realista/Transição (cerca de 1880 até o início do século XX) se destacaria pela variação de estilos, englobando o Realismo (Machado de Assis), o Naturalismo (Aluísio Azevedo), o Parnasianismo (Olavo Bilac) e o Simbolismo (Cruz e Sousa).
Iniciando-se com a Semana de Arte Moderna, a Era Modernista (a partir de 1922) compreendia o movimento modernista em suas fases heroica (Mário de Andrade, Oswald de Andrade) e posterior, estendendo-se até meados do século XX com autores como João Cabral de Melo Neto e Guimarães Rosa.
O maestro Antonio Candido
A obra 'A Formação da Literatura Brasileira', de 1959, é considerada um marco na crítica e historiografia literária nacional por inaugurar uma abordagem sociológica e estrutural. Nela, o crítico Antonio Candido propõe o conceito de sistema literário - a interação entre autores, veículos - como as casas editorais -, obras, público e uma tradição local, num contexto histórico e cultural específico.A partir daí, ele avalia os movimentos literários do Arcadismo e do Romantismo, buscando esclarecer a formação de um sistema literário brasileiro, autônomo de sistemas do exterior. Candido articular história, sociologia e estética, sem se limitar a análises puramente estéticas ou cronológicas, valorizando tanto a forma literária quanto os processos sociais subjacentes à produção da literatura.
Mas a periodização da longa história da literatura brasileira aparece em outras obras de Candido, como em 'Iniciação à Literatura Brasileira'. O crítico considerava três grandes eras. A começar pela Era das Manifestações Literárias, entre o século XVI e o XVIII, de uma produção colonial, que ocorria associado ao sistema literário português. Incluía textos informativos (como A Carta de Pero Vaz de Caminha), religiosos e eruditos, além do Barroco.
Em seguida viria a Era de Configuração do Sistema Literário, que vai do século XVI ao meio do século XVIII. Fase de transição em que a literatura vai além de produções individuais, configurando-se como fato cultural - com um passado literário local (tradição) e maior receptividade de público.
O campo literário nacional se organiza em torno das academias científicas ou literárias. O arcadismo, em especial em Minas Gerais - pelas mãos de Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa e outros - expressava uma sensibilidade que se distancia da metrópole, embora ainda dentro de padrões neoclássicos.
Da segunda metade do século XIX em diante, Candido identifica a Era do Sistema Literário Consolidado. Ela abrangeria as tendências do fim do século XIX, o Modernismo dos anos de 1920) e as tendências posteriores.
Alfredo Bosi e a visão dialética
Outra obra influente é 'A História Concisa da Literatura Brasileira', publicada por Alfredo Bosi em 1970. Diferente da periodização estritamente estilística de Afrânio Coutinho ou do enfoque sistêmico-sociológico de Antônio Candido, Bosi propõe uma abordagem dialética, que compreende a literatura como recomposião de critérios representativos - da cultura social de um momento estético - e critérios estéticos.Para Bosi, a história da literatura se estrutura a partir da história das obras literárias e de suas singularidades. Segundo ele, os textos de ficção constituem 'individuações 'descontínuas do processo cultural'. Tanto refletem aspectos das convenções de seu tempo (representativos), quanto introduzem variações, problematizações, rupturas ou mesmo negações.
Em 'A História Concisa da Literatura Brasileira', o ponto de partida é o complexo colonial de vida e de pensamento. Nos primeiros séculos, a atividade de exploração da colônia gerou ilhas sociais nas diversas capitanias, criando a fisionomia de um arquipélago cultural - subsistemas regionais, até hoje relevantes.
A formação de uma literatura brasileira passaria pelo fim da colônia, território que se caracteriza por ser apenas objeto de exploração, assumindo-se como sujeito (nação) de sua história. E também pela criação de um identidade nacional, que se manifestou, a princípio, como nativismo. O que se consolidaria após a independência do Brasil, em particular sob incentivos de Dom Pedro II.
Mas se trata de uma identidade fraturada, de uma nação que se desenvolvia sobre graves desequilíbrios. A herança colonialista se apresentaria sempre no contraste espinhoso entre universalismo e nacionalismo, observado, por exemplo, na fase dita heróica do modernismo, onde coexistiam uma volta ao Brasil real, interior, e uma importação de tendências europeias.
O período inicial analisado na 'A História Concisa da Literatura Brasileira' 'e o de Literatura de Informação (século XVI). Refere-se aos primeiros textos produzidos por viajantes e colonizadores portugueses, como a Carta de Pero Vaz de Caminha. Bosi trata esses escritos como documentos culturais, mais do que propriamente literários, marcados pela visão europeia sobre o "Novo Mundo".
Em seguida, o livro trata do Barroco (século XVII), um estilo de conflito entre valores espirituais e sensoriais. A obra de Gregório de Matos e o sermão de Padre Antônio Vieira expressariam essa dualidade entre fé e razão, corpo e alma, mundo e transcendência.
No Arcadismo ou Neoclassicismo (século XVIII), ligado ao Iluminismo, valorizava-se o ideal de uma natureza harmoniosa. Destacam-se os autores Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e Silva Alvarenga, bem como o papel da Inconfidência Mineira no fomento de noções locais de liberdade e civilização.
Em paralelo com a construção do Estado imperial, durante o Romantismo (c. 1836 – c. 1880) a literatura nacional ganhou maior autonomia. O Realismo (c. 1880 – c. 1922) introduziu uma mudança do do vago ao típico, do idealizante ao objetivo, ganhando sobriedade e rigor analítico.
Encerra-se o livro com o período do Modernismo (a partir de 1922), dividido em fase heróica, de experimentalismo estético, segunda fase, de amadurecimento, e pós-45. Bosi encerra sua obra explorando tendências contemporâneas, contemplando a literatura a partir da década de 1960.
Formação inacabada
As grandes histórias literárias brasileiras, como as de Afrânio Coutinho, Antônio Candido e Alfredo Bosi, embora fundadoras e referenciais, tendem a partir de marcos estéticos e institucionais ainda enviesados. A colonização moldou a língua, os temas e as categorias pelas quais se investiga a literatura.
A característica 'brasileira' emergirá plena somente quando se superar a perspectiva do colonizador. Mas, em favor de uma matriz europeia, a literatura também reproduziu a exclusão do outro, étnica e cultural. Preservou a identidade colonialista.
Sintoma dessa condição é a desproporção entre as dimensões do país e o pequeno tamanho de seu mercado editorial. Ou, então, a persistência de baixos indices de leitura entre a população, inclusive nas camadas de maior poder aquisitivo.
Ainda não surgiu a literatura de fato brasileira e emancipatória, que rompa com as bases materiais e discursivas da colonização. Há um longo caminho pela frente, de repensar não apenas os cânones e a história, mas as próprias categorias de análise literária. Nele caminhemos contra o vento, sem lenço nem documento.