Descanto - Murilo Mendes
Poema de Murilo Mendes
Nesta praia de antigos lamentos
ÔÔ
Lamento-me sem deuses nem coro:
De ser homem e aderir à pedra,
De ser paixão adjetiva;
De ser canto em língua e cifra
Que vivência do alto não traduz.
Lamento-me de olhar.
De não olhar a jato.
De não suscitar vivos nem mortos
Em sua púrpura própria.
De anteceder.
De queimar solidão.
Lamento-me de não construir nem destruir.
De amanhecer, de anoitecer,
De enxertar céu e inferno,
De subser,
De não amolgar o fogo.
Fonte: "Poesia completa e prosa", Nova Aguilar, 1994.
Originalmente publicado em: "Poesias", J. Olympio, 1959.
