Retrato 5º de Nise - Alvarenga Peixoto

Alvarenga Peixoto - poeta do Arcadismo brasileiro

Poema de Alvarenga Peixoto



Não posso, oh Nise,
Ser teu Pintor:
O pincel falta-me
Desmaia a cor.
Eu não me atrevo
Pinte-te Amor.

Ia a pintar-te
Negros Cabelos
Chama de Zelos
Me devorou.
A cor da noite
Serena, e bela
Sem uma Estrela
Não ajustou,
Eu não me atrevo
Pinte-te Amor.

Qual cor na testa
Gastar-se deve
Se ao vê-la a neve
Preta ficou.
Cupido acerte
Qual tinta cabe,
Que ele só sabe
Donde a tirou
Eu não me atrevo.
Pinte-te Amor.

Arcos que ao Mundo
Lutos protestam
Olhos que emprestam
Luzes ao sol.
Deve pintá-los,
Nise Formosa,
Mão mais mimosa,
Melhor Pintor.
Eu não me atrevo.
Pinte-te Amor.

Vi para as faces
Jardins de Flora,
Campos, e Aurora
Nada bastou.
Não acho tintas
Cores não tenho
Entre no empenho
Mais digno Autor.
Eu não me atrevo.
Pinte-te Amor.

Na boca aonde
Almas enlaças
Amor as Graças
Depositou.
Se as finas Pérolas,
Aos Rubins ato,
Fica o Retrato
De morte-cor
Eu não me atrevo
Pinte-te Amor.

Neve Coalhada
Vejo no peito
Sinto no Efeito
Chamas, e ardor.
Salvar contrários
Pintar-te fora
Pinte-te embora,
Quem te formou
Eu não me atrevo:
Pinte-te Amor.

Cintura breve,
Que encerra, e encobre
A alma mais nobre
Que o Céu Criou.
Pintar não pode
Por mais que estude,
Um pincel rude,
Um mau Pintor.
Eu não me atrevo.
Pinte-te Amor.

Se o mais que escondes,
Oh Nise Ufana
Visse em Diana
O Caçador.
Feliz seria,
E inútil era
A mão que em fera
O transformou.
Eu não me atrevo.
Pinte-te Amor.

Quem haver pode,
Que os pés retrate
Que são remate
De uma tal Flor.
Sobes a um ponto
De Formosura
Aonde a pintura
Nunca chegou.
Eu não me atrevo
Pinte-te Amor.




Fonte: "Obras Poéticas de Alvarenga Peixoto", Ateliê Editorial, 2020.
Originalmente publicado em: dispersos em obras como "Parnaso Brasileiro", "Novo Parnaso Brasileiro", "Miscelânea Poética", "Jornal Poético" e "Coleção de poesias", entre 1809 e 1855.