Poema XVII, Canto Segundo


Poema de Jorge de Lima



Hoje há uma mulher nesse sol-posto,
ora não, ora meiga, ora alvadia.
Ontem revendo-a, muda-se o meu rosto
assustado em cegueira, que não via.

Certa vez a revi em findo agosto:
não era o mesmo canto que eu ouvia;
o seu pranto expirava um outro gosto,
retinia o seu bronze outra alegria.

Tendo vindo do céu chuvas antigas,
essa ofélia dos ares semeou-se:
houve joio e houve trigo sobre o humo.

E a semente do joio nasceu trigo,
e uma parte do trigo transformou-se
em sombra ou coisa menos do que fumo.




Fonte: "Invenção de Orfeu", Tecnoprint Gráfica, 1967.
Originalmente publicado em: "Invenção de Orfeu", Livros de Portugal S. A, 1952.