Poema V, Canto Quinto


Poema de Jorge de Lima



Dos porões vem um cheiro à maresia
mesclado a odor de ratos e de charque.
Verde náusea essa nau que pressagia
males a quem embarque ou desembarque.

Silenciosa sem que ninguém a marque
percorre ancoradouros erradia;
e é avisado o comércio que açambarque
a carga apenas escureça o dia.

Ela parece morta nos cais sujos
que lhe povoam o casco de gusanos
e a emporcalham com o limo de seus ralos.

E ninguém sabe se essas velas, cujos
marinheiros corvejam os oceanos,
vieram trazer escravos ou levá-los.




Fonte: "Invenção de Orfeu", Tecnoprint Gráfica, 1967.
Originalmente publicado em: "Invenção de Orfeu", Livros de Portugal S. A, 1952.