Poema IV, Canto Terceiro


Poema de Jorge de Lima



Numas noites chegamos à janela,
e as mandíbulas do ar tanto nos roem.
que os leitos rotos logo deliqüescem
com os nossos corpos complacentemente.

Certos dias olhamos o sol claro;
e a boca hiante das cores nos devora
carnes e sangues, poeiras de costelas,
que ficamos inúteis, sem matéria.

Essas bocas nos sugam noite e dia,
vigiando dia e noite nossas vidas
um minuto no espaço, menos que ai

de chumbo soluçado nos silêncios,
ou cal de fome longa, revelada.
na noite igual ao dia, de tão gêmeos.




Fonte: "Invenção de Orfeu", Tecnoprint Gráfica, 1967.
Originalmente publicado em: "Invenção de Orfeu", Livros de Portugal S. A, 1952.