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Poema de Mário de Andrade



Seis horas lá em S. Bento.
Os lampiões fecham os olhos de repente
À voz de comando do sino.
A madrugada imensamente escura
Abafa as arquiteturas da praça.
E a estátua de Verdi também, graças a Deus!

Mãos nos bolsos
Grupinhos entanguidos
Encafuados nas socavas dos andaimes
Os reservistas que nem malfeitores.

                    Dlem! Dlem!...
                    “SANT’ANA”
          Vem vindo a procissão com tocheiros e luzes.
E principia o assalto agitado sem vozes.
          Anticlericais!
               Fora estandartes andores!
          Desaparecem os padres da noite.
     As filhas-de-Maria das neblinas
     Espavoridas pelo Anhangabaú...
Assaltantes equilibrados nos estribos.
Estilhaço me fere nos olhos o sangue da aurora.
     Risadas.
          Chamados.
               Cigarros acesos.
Incêndio!
          Extermínio!
               Vitória completa...

Faz frio de geada esta manhã...

A gente se encosta nos outros, pedindo
Uma esmolinha de calor.
E o bonde abala sapateando nos trilhos
Em busca das casernas sinistras cor-de-chumbo.




Fonte: "Poesia completa", Editora Itatiaia, 1987.
Originalmente publicado em: "Losango caqui", 1926.