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Poema de Mário de Andrade



Mário de Andrade, intransigente pacifista, internacionalista amador, comunica aos camaradas que bem contravontade, apesar da simpatia dele por todos os homens da Terra, dos seus ideais de confraternização universal, é atualmente soldado da República, defensor interino do Brasil.

E marcho tempestuoso noturno.
Minha alma cidade das greves sangrentas,
Inferno fogo INFERNO em meu peito,
Insolências blasfêmias bocagens na língua.

Meus olhos navalhando a vida detestada.

A vista renasce na manhã bonita.
Pauliceia lá embaixo epiderme áspera
Ambarizada pelo sol vigoroso,
Com o sangue do trabalho correndo nas veias das ruas.
                         Fumaça bandeirinha.
                         Torres.
                         Cheiros.
                         Barulhos
          E fábricas...
                         Naquela casa mora,
                         Mora, ponhamos: Guaraciaba...
                         A dos cabelos fogaréu!...
                         Os bondes meus amigos íntimos
          Que diariamente me acompanham pro trabalho...
                         Minha casa...
                         Tudo caiado de novo!
          É tão grande a manhã!
          É tão bom respirar!
É tão gostoso gostar da vida!...

A própria dor é uma felicidade...




Fonte: "Poesia completa", Editora Itatiaia, 1987.
Originalmente publicado em: "Losango caqui", 1926.