Máquina de escrever


Poema de Mário de Andrade



B D G Z, Remington.
Pra todas as cartas da gente.
Eco mecânico
De sentimentos rápidos batidos.
Pressa, muita pressa.
          Duma feita surripiaram a máquina-de-escrever de meu mano.
          Isso também entra na poesia
          Porque ele não tinha dinheiro pra comprar outra.

Igualdade maquinal,
Amor ódio tristeza...
E os sorrisos da ironia
Pra todas as cartas da gente...
Os malévolos e os presidentes da República
Escrevendo com a mesma letra...
          Igualdade
          Liberdade
          Fraternité, point.
          Unificação de todas as mãos...

Todos os amores
Começando por uns AA que se parecem...
O marido que engana a mulher,
A mulher que engana o marido,
Os amantes os filhos os namorados...

               “Pêsames”.
          “Situação difícil.
               Querido amigo... (E os 50 milréis.)
                         Subscrevo-me
                    admor. obgo.”
               E a assinatura manuscrita.

Trique... Estrago!
É na letra O.
Privação de espantos
Pras almas especulas diante da vida!
Todas as ânsias perturbadas!
Não poder contar meu êxtase
Diante dos teus cabelos fogaréu!

A interjeição saiu com o ponto fora de lugar!
Minha comoção
Se esqueceu de bater o retrocesso.
Ficou um fio
Tal e qual uma lágrima que cai
E o ponto final depois da lágrima.

Porém não tive lágrimas, fiz “Oh!”
Diante dos teus cabelos fogaréu.
A máquina mentiu!
Sabes que sou muito alegre
E gosto de beijar teus olhos matinais.
Até quarta, heim, ll.

Bato dois LL minúsculos.
E a assinatura manuscrita.




Fonte: "Poesia completa", Editora Itatiaia, 1987.
Originalmente publicado em: "Losango caqui", 1926.