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Poema de Mário de Andrade
A febre tem um vigor suave de tristeza,
E os símbolos da tarde comparecem entre nós;
Não é preciso nem perdoar nem esquecer os crimes
Pra que venha este bem de sossegar na pouca luz.
É a nossa intimidade. Um fogo arte, esquentando
Um rumor de exterior bem brando, muito brando,
E dá clarões duma consciência intermitente.
A poesia nasce.
Tu sentes que o meu fluido se aninha em teu colo e te beija na face,
E, por camaradagem, me olhas ironicamente.
Mas estamos sem mesmo a insistência dos nossos brinquedos.
E o vigor suave da febre
Não intimida os nossos corações tranquilos.
Fonte: "Poesia completa", Editora Itatiaia, 1987.
Originalmente publicado em: "Remate de males", 1930.