Cabo Machado
Poema de Mário de Andrade
Cabo Machado é cor-de-jambo,
Pequeninho que nem todo brasileiro que se preza.
Cabo Machado é moço bem bonito.
É como se a madrugada andasse na minha frente.
Entreabre a boca encarnada num sorriso perpétuo
Adonde alumia o sol de ouro dos dentes
Obturados com um luxo oriental.
Cabo Machado marchando
É muito pouco marcial.
Cabo Machado é dançarino, sincopado,
Marcha vem-cá-mulata.
Cabo Machado traz a cabeça levantada
Olhar dengoso pros lados.
Segue todo rico de joias olhares quebrados
Que se enrabicharam pelo posto dele
E pela cor-de-jambo.
Cabo Machado é delicado, gentil.
Educação francesa mesureira.
Cabo Machado é doce que nem mel
E polido que nem manga-rosa.
Cabo Machado é bem o representante duma terra
Cuja Constituição proíbe as guerras de conquista
E recomenda cuidadosamente o arbitramento.
Só não bulam com ele!
Mais amor menos confiança!
Cabo Machado toma um jeito de rasteira...
Mas traz unhas bem tratadas
Mãos transparentes frias,
Não rejeita o bom-tom do pó-de-arroz.
Se vê bem que prefere o arbitramento.
E tudo acaba em dança!
Por isso cabo Machado anda maxixe.
Cabo Machado... bandeira nacional!
Fonte: "Poesia completa", Editora Itatiaia, 1987.
Originalmente publicado em: "Losango caqui", 1926.