Anhangabaú


Poema de Mário de Andrade



Parques do Anhangabaú nos fogaréus da aurora...
Oh larguezas dos meus itinerários!...
Estátuas de bronze nu correndo eternamente,
num parado desdém pelas velocidades...
O carvalho votivo escondido nos orgulhos
do bicho de mármore parido no Salon...
Prurido de estesias perfumando em rosais
o esqueleto trêmulo do morcego...
Nada de poesia, nada de alegrias!...
E o contraste boçal do lavrador
que sem amor afia a foice...

Estes meus parques do Anhangabaú ou de Paris,
onde as tuas águas, onde as mágoas dos teus sapos?
“- Meu pai foi rei!
- Foi. - Não foi. - Foi. - Não foi.”
Onde as tuas bananeiras?
Onde o teu rio frio encanecido pelos nevoeiros,
contando histórias aos sacis?...

Meu querido palimpsesto sem valor!
Crônica em mau latim
cobrindo uma écloga que não seja de Virgílio!...




Fonte: "Poesia completa", Editora Itatiaia, 1987.
Originalmente publicado em: "Paulicéia desvairada", 1922.