Cicatrizes
Poema de Myriam Fraga
A face calcinada,
Ó desespero
Do amargo desengano.
A alegria se foi.
Restou-me o canto,
Derradeiro refúgio,
Último quarto
Da obscura morada.
Restou o canto
Ao pássaro,
Restou o canto,
O abecedário,
A palavra;
Inventário do homem.
Sobrou o que sobrou,
O estilete na carne,
Sobrou o que sobrou,
O louco intérprete
Da alma de ninguém
Do coração de tudo.
Hoje o homem é a sombra
Do pássaro,
Hoje o homem é o canto vivo
Da ramagem,
A lembrança de fundas cicatrizes.
Fonte: "Poesia reunida", Oiti, 2021.
Originalmente publicado em: "A lenda do pássaro que roubou o fogo", Macunaíma, 1983.