Cobra Norato - trechos 28 e 29

Imagem de Raul Bopp

Poema de Raul Bopp



XXVIII

A floresta se avoluma

Movem-se espantalhos monstros
riscando sombras estranhas pelo chão

Árvores encapuçadas soltam fantasmas
com visagens do lá-se-vai

O luar amacia o mato sonolento

Lá adiante
o silêncio vai marchando com uma banda de música

Floresta ventríloqua brinca de cidade

Movem-se arbustos cúbicos
sob arcadas de samaúma

Palmeiras aneladas se abanam

Jaburus de monóculo namoram estrelas míopes
João Cutuca belisca as árvores

Passa lá embaixo a escolta do Rei de Copas
Curvam-se as canaranas

Chegam de longe ruídos anônimos

- Quem é que vem?
- Vem vindo um trem:

Maria-fumaça passa passa passa

O mato se acorda

Cipós fazem intrigas no alto dos galhos
Desatam-se em gargalhadinhas

Uma árvore telegrafou para outra:
psi psi psi

Desembarcam vozes de contrabando

Sapos soletram as leis da floresta

Lá em cima
um curió toca flauta

Estira-se o rio

O mato é um acompanhamento

Desfiam-se as distâncias
entre manchas de neblina

- Lá vai indo um navio, compadre!

Jaquirana-boia apita
Uma árvore abana adeus do alto de um galho


XXIX

- Escuta, compadre
O que se vê não é navio. É a Cobra Grande

- Mas o casco de prata? As velas embojadas de vento?

Aquilo é a Cobra Grande
Quando começa a lua cheia ela aparece
Vem buscar moça que ainda não conheceu homem

A visagem vai se sumindo
pras bandas de Macapá

Neste silêncio de águas assustadas
parece que ainda ouço um soluço quebrando-se na noite

- Coitadinha da moça
Como será o nome dela?
Se eu pudesse ia assistir o casamento

- Casamento de Cobra Grande chama desgraça, compadre

Só se a gente arranjar mandinga de defunto

Ué! Então vamos
Lobisomem está de festa no cemitério




Fonte: "Poesia completa de Raul Bopp", José Olympio Editora, 2014.
Originalmente publicado em: "Cobra Norato", Irmãos Ferraz, 1931.