Cobra norato - trecho 11

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Poema de Raul Bopp



XI

Acordo
A lua nasceu com olheiras
O silêncio dói dentro do mato

Abriram-se as estrelas
As águas grandes se encolheram com sono

A noite cansada parou

Ai compadre!
Tenho vontade de ouvir uma música mole
que se estire por dentro do sangue;
música com gosto de lua
e do corpo da filha da rainha Luzia

que me faça ouvir de novo
a conversa dos rios
que trazem queixas do caminho
e vozes que vêm de longe
surradas de ai ai ai

Atravessei o Treme-treme

Passei na casa do Minhocão
Deixei minha sombra para o Bicho-do-Fundo
só por causa da filha da rainha Luzia

Levei puçanga de cheiro
e casca de tinhorão
fanfan com folhas de trevo
e raiz de mucura-caa
Mas nada deu certo...

Ando com uma jurumenha

que faz um doizinho na gente
e mexe com o sangue devagarinho

               Ai compadre
               Não faça barulho
               que a filha da
               rainha Luzia
               talvez ainda esteja dormindo

               Ai onde andará
               que eu quero somente
               ver os seus olhos molhados de verde
               seu corpo alongado de canarana

               Talvez ande longe...
               E eu virei vira-mundo
               para ter um querzinho
               da filha da
               rainha Luzia

               Ai não faça barulho...



Fonte: "Poesia completa de Raul Bopp", José Olympio Editora, 2014.
Originalmente publicado em: "Cobra Norato", Irmãos Ferraz, 1931.