Retrato

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Poema de João Cabral de Melo Neto



Passa que a mulher é andaluza:
embora nascida noutras ruas,

de outras raças, outro país
só Andaluzia, de matiz;

tem da andaluza a intensidade
de sendo pequena, expressar-se

no calor que às vezes acende
e acende o que lhe está rente.

E passa que nunca é prolixa
a intensidade é que está viva.

A intensidade sevilhana:
expressão de cidade plana,

sem montanhas nos arredores,
sem arranha-céus, gritos, odes,

cidade toda em canto-chão,
limpa e varrida até o não.

Numa cidade tal Sevilha
só pode dar-se a não prolixa,

a que prefere a linha pura:
nela lhe basta, o que é nervura;

a boa expressão de sua chama
é o nu vivo e extremo da lâmina

o extremo de ser que cultiva,
cujo expressar-se é em carne viva.




Fonte: "A educação pela pedra e depois", Editora Nova Fronteira, 1997.
Originalmente publicado em: "Sevilha andando", Editora Nova Fronteira, 1989.