Das grandezas
Poema de Myriam Fraga
Aqui o ouro - o traço
Do riscado da riqueza
Vai na boca vai
No fardo
No baú do viajante
Vai no casco vai
Na quilha
Na esteira das caravelas.
O ouro do outro
Na mina na
Mata
No caule no cerne
Madeira de brasa.
O ouro do outro
É sangue na boca
O ouro pepita
De sal na garganta.
A terra é aguada é
Caminho pousada
É porto de espera
de velas.
A terra é lavoura
Plantada
É sonho e fracasso
Remorso de um morto
esquecido.
É soma e memória
Compasso e conquista
É passo na dança
Funeral ou
Festim.
Dividir nós dividimos
Eles mataram - matamos
Nossos mortos - nosso crime.
Suportar nós suportamos
Naufragados noutros gritos
Nós dispersos machucados
Batizados com cauim
Eles com hissopes
Tatuados.
Tinha a febre tinha
A fome
Tinha a sombra da sotaina
Tinha o bagaço do corpo
Poluído de outros danos.
No fundo claro do abismo
Nós
Comparsas de outro crime
Compondo algemas e troncos
almanjarras
rodas-d'água
Massapê sangue e
Cansaço
Os engenhos moem o tempo
E as esporas na carne
Viram cravos viram
Dentes. Viram garras
De silêncio.
Segue carta voa
Vento
E a notícia
Corta o gelo da distância.
O ouro do outro:
Na boca a saliva
A fala falada
No lacre a notícia
No selo a legenda.
O ouro do outro
É tinta na carta
É risco no mapa
Projeto de lucro
conluio
tratado.
Na sombra soprado
o plano/projeto
Do furto embuçado.
Fonte: "Poesia reunida", Oiti, 2021.
Originalmente publicado em: "Sesmarias", Imprensa Oficial da Bahia, 1969.