A árvore


Poema de Ricardo Gonçalves



Salta do leito e vem cá fora,
Vem ver esta árvore, sonora
De murmurinhos e canções.
O sol nascente a afaga e beija,
E as suas frondes purpureja
Com seus vivíssimos clarões.

Anda-lhe em torno, alacre, um vivo
Zumbir de insetos ; pelo crivo
Das folhas verdes fulge o sol;
E entre cortinas viridentes,
Zinem cigarras estridentes,
Tecem aranhas o aranhol.

Depois, a pino, o sol escalda,
E a sua copa de esmeralda
É como um pálio protetor,
A cuja sombra, ampla e divina,
Cantam as aves, em surdina.
Cantos dulcíssimos de amor.

Ama-a! - toda a arvore é sagrada -
Ama esta esplêndida morada
De abelhas de ouro e aves gentis!
Busca entender tanta poesia,
E faze coro à sinfonia
Da natureza, que a bem-diz!

Ama-a, na glória matutina,
Entre os vapores da neblina,
Que toda a envolvem, como véus.
Cheia dos prantos da alvorada,
Ou melancólica, estampada
No ouro e na púrpura dos céus...

E reza então: "Bendita sejas
Por tuas frondes benfazejas,
Pelos teus cânticos triunfais,
Por tuas flores e perfumes,
Pelos teus pássaros implumes,
Por tuas sombras maternais."




Fonte: "Ipês", Monteiro Lobato & Cia, 1921.
Originalmente publicado em: "Ipês", Monteiro Lobato & Cia, 1921.