Morte de Camões I

Imagem do poeta José Albano

Poema de José Albano



Um gosto que hoje se alcança.
Amanhã já o não vejo;
Assim nos traz a mudança
De esperança em esperança
E de desejo em desejo.

Glosa

Para chegar a um estado
Contente, mas fugidio,
É preciso ter chorado,
Sofrendo pena e cuidado,
Tristes lágrimas em fio.
E poucas vezes a sorte
Se torna suave e mansa;
Tortura-nos dor tão forte,
Até que lhe a vida corte
Um gosto que hoje se alcança.

Então durante um momento
O peito se nos alivia
E, de suspiros isento,
Se esquece do sofrimento,
Quando lhe vem a alegria;
Mas como não há no mundo
Contentamento sobejo,
Eu se de prazer profundo
Hoje a alma ditosa inundo,
Amanhã já o não vejo.

Tudo à morte anda sujeito,
Tudo se acaba e se passa
E deste ou daquele jeito,
Depressa o gosto é desfeito
E devagar a desgraça.
Nasce a noite, nasce a aurora,
O tempo voa e não cansa;
Um canta e ri-se, outro chora,
E desta existência em fora
Assim nos traz a mudança.

Já foste alegre e hoje és triste,
Coração brando e sincero,
Mas se nunca assim te viste,
Vê como o viver consiste
No esperar e como espero.
Destarte a dor que se sente,
Um pouco se acalma e amansa
E, posto que eu me atormente,
Ando enfim continuamente
De esperança em esperança.

E como quem entre espinhos
Vai a colher uma rosa,
Busco entre danos mesquinhos,
Anelando mil carinhos,
Gozo que nunca se goza.
E quando a chorar me ponho
O destino malfazejo,
Amor sereno e risonho
Me leva de sonho em sonho
E de desejo em desejo.




Fonte: "Rimas de José Albano", Pongetti, 1948.
Originalmente publicado em: "Rimas - Redondilhas; Rimas - Alegoria, Canção a Camões, Ode à Língua Portuguesa", Oficinas de Fidel Giró, 1912.

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