Cantigas
Poema de José Albano
I
Já quis tentar formas novas,
Foi mais ou menos em vão:
Hoje nestas velhas trovas
Falará meu coração.
II
Tudo que sinto e padeço
Posso descrever assim:
O prazer não tem começo
E a tristeza não tem fim.
III
Trago há muito no sentido,
De que vem maior cuidado?
Será dum bem já perdido
Ou dum bem nunca alcançado?
IV
Dá-me essa voz tão amena
Para cantar este enlevo,
Ave que me deste a pena
Com que os meus versos escrevo.
V
Tudo já me persuade
Que a ti me não hei de opor:
Longe matas de saudade
E perto matas de Amor.
VI
Anda a violeta chorosa
E a rosa alegre e faceta,
Só porque eu te chamei rosa
E não te chamei violeta.
VII
As estrelas no alto abrigo,
Mais alegre fico a vê-las
Todas as vezes que digo
Que os teus olhos são estrelas.
VIII
Das flores mais preciosas
O doce molho é composto:
Não trago jasmins nem rosas,
Porque já os tens no rosto.
IX
Quanto é forte o meu desejo
Nesta afeição insensata:
Morro, porque te não vejo
E sei que ver-te me mata.
X
A pensar me às vezes ponho
E não posso compreender
Porque sempre acaba o sonho,
Quando começa o prazer.
XI
Guardo penas inimigas
Nestas cantigas amenas
E quando canto as cantigas,
O coração sente as penas.
XII
Há no coração sombrio
Um eco brando e sonoro
Que adormece quando rio
E desperta quando choro.
XIII
Disto enfim já não duvido,
No mundo o maior cuidado
Vem do bem que foi perdido
Antes de ser alcançado.
XIV
Ó coração, quando choras.
Bate com arquejos lentos,
Marca o tempo, não por horas,
w Mas sim por meus sofrimentos
Fonte: "Rimas de José Albano", Pongetti, 1948.
Originalmente publicado em: "Rimas - Redondilhas; Rimas - Alegoria, Canção a Camões, Ode à Língua Portuguesa", Oficinas de Fidel Giró, 1912.