Para o outro eu

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Poema de Gilka Machado



Minha voz
leva lampejos de lâminas
aos teus silêncios.
Sou a suprema tentadora,
em minha forma inatingível
materializo o pensamento.
Passarei por tua vida
como a ideia por um cérebro:
dando-me toda sem que me possuas.

Guardo
os sentidos da tua formosura,
tenho-te em mim em radiosidades,
amo-te porque me olhas
de tuas sombras
com a fisionomia
dos meus sentimentos.

Talvez outros braços enlacem teu busto,
talvez outros lábios murmurem
palavras líricas
aos teus ouvidos,
talvez outros olhos se abismem nos teus. . .

Agora e sempre
serás, apenas,
o mundo por mim descoberto,
o tesouro por mim desvendado,
o homem que meu amor acordou
na imobilidade da tua inconsciência.

Porque não vens
meu estatuário da volúpia?
- há em mim linhas imprecisas
de desejo
que teu carinho deveria modelar;
tuas mãos milagrosas
emprestariam expressões inéditas
ao meu corpo maleável...
 porque não vens?!

Longe de mim
és a beleza sem a arte,
a poesia sem a palavra;
longe de mim sei que te não encontras,
sei que procuras inutilmente
defrontar o teu eu
no cristal de outras almas,
porque te falta o fiel espelho
da minha estranha sensibilidade.

Porque não vens?! à tua vinda
fechar-se-iam meus lábios, meus braços
e minhas asas;
ficarias em mim ensimesmado,
no aconchego de meu ser
que é tua sombra;
ficarias em mim
como a visualidade
em minhas pálpebras
cerradas
para o sonho.




Fonte: "Velha poesia", Tipografia Baptista de Souza, 1965.
Originalmente publicado em: "Velha poesia", Tipografia Baptista de Souza, 1965.
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