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Poema de Gilka Machado



Uma
pluma...
e um gorjeio... e um aroma de cravo...
e um favo
melífluo... e uma nacarada
gota das tintas da Alvorada...
Qualquer coisa, afinal, que em si resuma
sabor,
perfume, som, maciez e cor,
eu trago, meu Amor,
nos sentidos
pairando,
desde quando
os teus lábios e os meus se ficaram unidos.

Debalde o meu segredo aos mais seres encubro,
debalde: o beijo teu manchou-me a boca,
tal como um vinho rubro.
Talvez
me julgues louca,
mas suponho que estão
todos ouvindo
o beijo teu nos lábios meus cantar;
tenho a impressão
de que me deste um beijo infindo;
sinto ainda o roçar
da sua asa macia;
o seu sabor tão doce inda me delicia,
inda, de quando em vez,
fecho os olhos, sentindo
do seu perfume intenso a rápida embriaguez.

Cheia de ti, eu, com delícia,
cuido
que, naquela carícia,
tu te esqueceste em mim em fluido;
foi, com certeza, num descuido,
numa vertigem de prazer,
que se ficou, de todo espalma,
tua alma na minha alma,
teu ser
a encher
meu ser.

Oh! benfazejo olvido
o desse curto instante
que fez com que comigo eu te traga, Querido,
quando me estou tão só, quando te estás distante!
Como num beijo uma alma em outra se insinua!
Num beijo foste meu e num beijo fui tua!...

Tudo quanto pudera,
até então, se opor
ao nosso amor,
tudo raso ficou, só ele ascende e impera!
Quem pode capturar o fugitivo odor,
depois que ele se espalha na atmosfera ?



Fonte: "Estados de Alma", 1917.
Originalmente publicado em: "Estados de Alma", 1917.



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