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Poema de Eduardo Guimaraens
Primeiros frios! Doce, indizível encanto!
Crepúsculos de outono! Um mórbido quebranto
magnetiza, adormece a alma que se intimida.
Dir-se-ia que hoje a morte andou beijando a vida!
Dir-se-ia que, através das árvores, soluçam
órgãos. Ou que, sobre roseiras, se debruçam
monjas de um verde olhar nostálgico. Dir-se-ia
que o amor é sonho, febre, ardor, melancolia,
silêncio, desespero! E a tarde é como um sono
divino que, a um torpor de mágico abandono,
sobre os jardins estende o seu delírio vago.
Sente-se como um voo à flor de um grande lago.
E a serena amargura é maior e mais doce
quando a noite, sombria e azul como se fosse
acaso inverno, gela o seu fulgor sereno.
Penso que há pelo espaço um longo adeus, o aceno
de um lenço, o último abraço, o olhar ainda sorrindo
de alguém que parte, um choro imenso: e tudo é findo!
Oh, a tristeza inexprimível e secreta
e solitária, mas que eu amo e que me inquieta
desta agonia esparsa! E os bruscos arrepios!
- Les sanglots longs... – E o teu olhar! Primeiros frios!
E as folhas mortas do Passado! E alguém que chora,
como perdido! E a alma que em vão te quer, agora!
E o teu amor que lembra um pouco o desconforto
deste outonal langor! Sigo, enervado e absorto,
sem rumo, sob a noite. E penso em ti, sofrendo!
De rua em rua, vão-se as luzes acendendo.
Fulvo esplendor! Sorrindo o luxo, que desperta,
voa para o prazer. Busco a mudez deserta
de um passeio.
E o teu nome aos lábios, passo a passo,
imagino que vais comigo, pelo braço.
Fonte: "A divina quimera", digitalização de Marco Antonio Rodrigues ,2006.
Originalmente publicado em: "A divina quimera", Tipografia Apollo Vieira da Cunha & Cia, 1916.