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Poema de Vicente de Carvalho



Porque se arroja, pois, ao túmulo, fechado
        - Como um cárcere escuro -
A tudo quanto é belo e esplende ao sol dourado
        Sob o céu claro e puro,

Porque se larga à sombra, e se condena à lama,
        E se abandona ao verme,
Porque assim se castiga, e se repele, e infama
        Um pobre corpo inerme?

Corpo que veio de uma explosão de desejo,
        Encantado produto
De uma noite de amor - e que saiu de um beijo
        Como, da flor, o fruto;

Corpo onde o olhar viveu para tudo que brilha,
        Para as coisas mais belas:
- A terra em flor, o mar ao sol, a maravilha
        Do céu cheio de estrelas;

Onde cada rumor em que a noite transborda
        Sob o luar tristonho
Foi despertar um eco e vibrar uma corda,
        E acalentar um sonho;

Corpo que tanta vez o aroma - essa carícia
        Em que a flor se consome -
Encantou de um prazer subtil, de uma delícia
        Sem igual e sem nome;

Onde o lábio se abriu, úmido como as rosas
        Quando amanhece o dia,
Para o sorriso, o beijo, e as coisas deliciosas
        Que o amor pronuncia.

Condenado por fim à dispersão da morte,
        O universo o reclama.
Entre tudo quanto há, porque lhe dar por sorte
        O desfazer-se em lama?



Fonte: "Poemas e Canções", Cardozo, Filho e Cia, 1908.
Originalmente publicado em: "Poemas e Canções", Cardozo, Filho e Cia, 1908.

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