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Poema de Souza-Andrade



Eu via o tempo segundar-me ás pressas:
"Corre! corre! que eu passo." Eu corri tanto
Que a vida toda numa aurora andei
Até aos pedestais desta muralha!
Ainda as verdes púrpuras me cercam,
E esta desgraça que eu radio as cresta.
Não posso mais seguir: num desalento
Eu caio e de fadiga mal me arrasto
À beira de uma sombra, sobre o marco
A fronte desleixar em descabelo,
Indiferente pela terra o corpo:
Meus olhos apagados, pelo vale
Embalde se demoram nos meus rastos,
Que palpitam, que somem-se e os turvam.
O sol vacila a contemplar-me, e para!
Volto-lhe as costas, meu desprezo ao sol,
Que não é mais a mim como da noiva
O banho perfumado do noivado;
Porém onda que o lívido cadáver
Umedece insensível. O abandono
É meu leito da morte; expiro, acabo,
Sem terno pranto, sem amigos braços:
Vejo um inverno a desfolhar-me apenas,
E púrpuras crestadas; vozes mortas
Sinto apenas vibradas na montanha.

Que leito belo e preguiçoso e morno!

Neste enjoo da vida ao menos diga:
Eternidade de dor bebeu minha alma,
Por ela fui nutrido, e me sepulta;
Só aqui não achei mentira o mundo.
- E rochedo meu peito à flor estranho:
E do prazer nas gélidas cavernas
Somente encova horror, linfas amargas!
Criação desgraçada - nasce o bardo
Para sofrer e maldizer os céus.



Fonte: "Harpas Selvagens", Tipografia Universal de Laemmert, 1857.
Originalmente publicado em: "Harpas Selvagens", Tipografia Universal de Laemmert, 1857.


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