O rio

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Poema de Silva Alvarenga



Chora o rio entre arvoredos,
Nos penedos recostado:
Chora o prado, chora o monte,
Chora a fonte, a praia, o mar.

Vem as graças lacrimosas
E os amores sem ventura
Nesta fria sepultura
Pranto e rosas derramar.
Por ti, Glaura, a natureza
Se cobriu de mágoa e luto:
Quanto vejo, quanto escuto
É tristeza e é pesar.

Chora o rio entre arvoredos,
Nos penedos recostado:
Chora o prado, chora o monte,
Chora a fonte, a praia, o mar.

A escondida, áspera furna
Deixam sátiros agrestes,
E de lúgubres ciprestes
Vem a urna circular.
Vem saudades, vem delírios,
Vem a dor, vem o desgosto
Com cabelos sobre o rosto
Murta e lírios espalhar.

Chora o rio entre arvoredos,
Nos penedos recostado:
Chora o prado, chora o monte,
Chora a fonte, a praia, o mar.

Nestes ramos flébil aura
Triste voa e preza gira!
"Glaura", aqui e ali suspira,
Torna "Glaura" a suspirar
Eco, as dríades magoa
O saudoso nome ouvindo;
E, na gruta repetindo,
"Glaura", soa e geme o ar.

Chora o rio entre arvoredos,
Nos penedos recostado:
Chora o prado, chora o monte,
Chora a fonte, a praia, o mar.

Glaura, ó morte enfurecida,
Espirou... que crueldade!
E pudeste sem piedade
Sua vida arrebatar?
Cai a noite, a névoa grossa
Turba os céus com manto escuro;
E eu aflito em vão procuro
Quem me possa consolar.

Chora o rio entre arvoredos,
Nos penedos recostado:
Chora o prado, chora o monte,
Chora a fonte, a praia, o mar.



Fonte: "Obras Poéticas", B. L. Irmãos Garnier, 1864.
Originalmente publicado em: "Glaura: poemas eróticos", Officina Nunesiana, 1799.

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