Adolescência

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Poema de Nestor Victor



Mas por que? Mas por que? Ergue-te, oh alma!
Nesses teus ainda tímidos ensaios,
Olha este velho que recebe em calma
Do sol da vida os derradeiros raios!

Tudo o que lhe sorriu pelo caminho
Atrás ficou, extinto o que fulgia;
E, no meio do inverno, ei-lo sozinho
Dos mais perante o engrinaldado dia.

Mas ele, ao seu presente e ao já fechado
Futuro dando as costas, passa agora
Os dias que lhe restam abismado
Nas lembranças dos tempos seus de outrora.

E dão-lhe tais lembranças, simplesmente,
Gozos tão puros e tão verdadeiros,
Que o fazem receber serenamente
Do sol da vida os raios derradeiros.

Ao passo, entanto, que ele assim recebe
Como um favor da sorte aquelas horas,
Em convulsões que o mundo não concebe
Dos verdes anos os teus dias choras!

Choras! entrando como um deus radioso
Da mocidade na feliz procela,
Pondo o teu pé do trilho tortuoso
Na ardente parte estrelejada e bela!

Mas nada é ainda! A testa fluorecente
Da caudal, que se alteia, brilha e abala,
Estrondeando, que ai vem convulsamente,
Chega, bate, ainda insiste e já avassala;

Mal chegou! Ainda vem escurecendo
Mais paixões! Hás de ser delas batido,
Hás de ceder no embate e, assim cedendo,
No torvelinho ver-te-ás perdido!

Sei, porém, conseguires dessa noite
- Barco frágil - sair, brilhando o dia,
Se desse mar não te vencer o açoite
Que a cada instante quase te vencia;

Tu entrarás então, desarvorado,
Da senectude no gelado porto,
Mas suspirando pelo teu passado,
Venhas embora alucinado e morto!

Quando de longe nós podemos vê-la,
Linda é esta luta, tu verás, tão brusca
Este bater para tirar estrela,
Que nos parece negro porque ofusca.

Então, como este velho ao já fechado
Futuro dando as costas vês agora,
Tu pássaras teus dias abismado
Nas lembranças dos tempos teus de outrora.

E dar-te-ão tais lembranças, simplesmente,
Gozos tão puros e tão verdadeiros,
Que os teus olhos verão serenamente
Do sol da vida os raios derradeiros...



Fonte: "Transfigurações", H. Garnier, 1902.
Originalmente publicado em: "Transfigurações", H. Garnier, 1902.

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