O amor armado

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Poema de Silva Alvarenga



Gira amor feroz e armado
Neste prado e vale e serra:
Tudo é guerra, e com seus tiros
Mil suspiros já causou.

Entre míseras afrontas
Pendurou num tronco a aljava;
Pois das setas que estimava
Glaura as pontas lhe quebrou.
Por vingar-se desta injúria
Triste emprega ferro e fogo;
Mas ao ver-me o ímpio logo
Mágoa e fúria disfarçou.

Gira amor feroz e armado
Neste prado e vale e serra:
Tudo é guerra, e com seus tiros
Mil suspiros já causou.

Meu socorro e meu desenho
Brando pede e humilde aprova:
Com vaidade em seta nova
Meu empenho se esmerou.
Tinha a ponta aguda e forte
E três farpas bem polidas,
Negras penas embutidas
De que a morte se assustou.

Gira amor feroz e armado
Neste prado e vale e serra:
Tudo é guerra, e com seus tiros
Mil suspiros já causou.

Dei-lhe o aço luminoso
E o traidor louvar-me finge:
Em cruel peçonha o tinge
E aleivoso assim falou:
"Fico alegre e satisfeito...
Oh que seta! vê se é boa."
Curva o arco, a seta voa,
E o meu peito traspassou.

Gira amor feroz e armado
Neste prado e vale e serra:
Tudo é guerra, e com seus tiros
Mil suspiros já causou.

Em tormentos e pesares
Exclamei, quando cabia:
"Glaura... Amor..." o amor se ria,
E dos ares me bradou:
"Vesúvio não se apaga;
Ser ditoso mereceste;
Do farpão que me fizeste
Leva a paga que te dou."

Gira amor feroz e armado
Neste prado e vale e serra:
Tudo é guerra, e com seus tiros
Mil suspiros já causou.



Fonte: "Obras Poéticas", B. L. Irmãos Garnier, 1864.
Originalmente publicado em: "Glaura: poemas eróticos", Officina Nunesiana, 1799.


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