O sino da floresta
Poema de Júlia Lopes de Almeida
É noite, ou quase noite, na floresta
Onde não entra o Sol, fechada e escura.
Não se ouve a voz dos pássaros em festa;
Some-se o chão sob as camadas densas
Das folhas que a umidade apodreceu;
Desaparece a terra e o próprio Céu,
Que o Céu é a densa copa de verdura
Das árvores imensas.
No imóvel, no presságio
Silêncio da floresta adormecida,
Ouve-se apenas uma nunca ouvida
Voz, voz sutil, murmúrio vago,
Vinda das folhas e dos troncos, vinda
Da alta copa das árvores, e ainda
Do húmus do próprio chão, da íntima entranha
Da Terra, em um rumor que é a ignota, a estranha
Palpitação da Vida.
Súbito um sino tange, ao longe, lento;
E a sua voz reboa em um lamento
Que a mudez sepulcral da mata acorda.
Intempestiva exclamação
Que através da floresta repercute,
No ar parado vibrando.
Recorda a quem o escute
Um soluço de dor prolongado, recorda
Um grito de garganta invisível, clamando
No silêncio e na solidão.
Voz que um socorro aflita implora
Transida, o sino tange, dobra, soa
Na escuridão quase noturna.
E eis que outro sino tange, de outro lado,
Longe, como acordado
Pela voz do primeiro, que se cala.
A mata, muda e imensa, acorda e fala!
Fala em dobres estranhos, voz soturna
Que ao Norte, ao Sul, de um e outro lado, agora
Em pancadas mais próximas ecoa.
Seringueiro perdido na floresta,
Em um mar-alto de verdura!
A Sumaúma é o sino em que tu bates
O teu rude machado.
São dela os sons que ecoam na espessura
Em lúgubres rebates;
É dela a grande voz que soa, longa,
Abemolada e mesta,
Que em uma onda sonora se prolonga
Através do silêncio, no ar parado.
E como a vaga se desfaz na espuma,
Vai morrer à distância, inda vibrante,
No tapete da relva.
Sumaúma!
Farol de sons batendo a cada instante,
Guiadora dos náufragos da selva!
Fonte: "A Árvore", Livraria Francisco Alves, 1916.
Originalmente publicado em: "A Árvore", Livraria Francisco Alves, 1916.