Lira XXVIII (parte 2)
Poema de Thomaz Antônio Gonzaga
Minha Marília,
O passarinho,
A quem roubaram
Ovos e ninho,
Mil vezes pousa
No seu raminho;
Piando finge
Que anda a chorar,
Mas logo voa
Pela espessura,
Nem mais procura
Este lugar.
Se acaso a vaca
Perde a vitela,
Também nos mostra
Que se desvela;
O pasto deixa,
Muge por ela,
Até na estrada
A vem buscar;
Em poucos dias,
Ao que parece,
D'ela se esquece
E vai pastar.
O voraz tempo
Que o ferro come,
Que aos mesmos reinos
Devora o nome;
Também, Marília,
Também consome
Dentro do peito
Qualquer pesar.
Ah! só não pôde
Ao meu tormento
Por um momento
Alívio dar.
Também, ó bela,
Não há quem viva
Instantes breves
Na chama ativa:
Derrete ao bronze;
Sendo excessiva,
Ao mesmo seixo
Faz estalar;
Mas do amianto
A fibra dura
Na chama atura
Sem se queimar.
Também, Marília,
Não há quem negue
Que bem que o fogo
Nos óleos pegue,
Que bem que em línguas,
Às nuvens chegue,
À força d'água
Se há de apagar;
Se a negra pedra
Nós acendemos,
Com água a vemos
Mais s'inflamar.
O meu discurso,
Marília, é reto:
A pena iguala
Ao meu afeto;
O amor que nutro
Ao teu aspecto
E ao teu semblante
É singular.
Ah nem o tempo,
Nem inda a morte
A dor tão forte
Pode acabar.
Fonte: "Marília de Dirceu", Irmãos Garnier Editores, 1862.
Originalmente publicado em: "Marília de Dirceu", 1792.