Lira XXIX (parte II)

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Poema de Thomaz Antônio Gonzaga



Aquele, a quem fez cego a natureza,
Co'o bordão palpa e aos que vem pergunta;
Ainda se despenha muitas vezes,
       E dois remédios junta!

De ser cega a fortuna eu não me queixo;
Sim me queixo de que ma cega seja:
Cega que nem pergunta, nem apalpa,
       Porque errar deseja.

A quem não tem virtudes, nem talentos,
- Ela, Marília, faz de um cetro dono:
Cria n'um pobre berço uma alma digna
       De se sentar n'um trono.

A quem gastar não sabe, nem se anima,
Entrega as grossas chaves de um tesouro;
E lança na miséria a quem conhece
       Para que serve o ouro.

A quem fere, a quem rouba, a infame deixa
Que atrás do vício em liberdade corra;
Eu amo as leis do império, e ela me oprime
       N'esta tão vil masmorra.

Mas ah minha Marília, que esta queixa
Co'a sólida razão se não coaduna;
Como me queixo da fortuna tanto,
       Se sei não há fortuna?

Os fados, os destinos, essa deusa
Que os sábios fingem que uma roda move,
É só a oculta mão da Providencia,
       A sábia mão de Jove.

Nós é que somos cegos que não vemos
A que fins nos conduz por estes modos;
Por torcidas estradas, ruins veredas
       Caminha ao bem de todos.

Alegre-se o perverso com as ditas;
Co'o seu merecimento o virtuoso;
Parecer desgraçado, ó minha bela,
       É muito mais honroso.



Fonte: "Marília de Dirceu", Irmãos Garnier Editores, 1862.
Originalmente publicado em: "Marília de Dirceu", 1792.

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