É meu damo tanto meu
Poema de Gregório de Matos
É meu Damo tanto meu,
E tão namorado está,
Que facilmente me dá
Tudo quanto Deus lhe deu:
Também o que tenho é seu,
E assim, reciprocamente,
Convém que este amor se aumente,
E nesta igualdade, enfim,
Se está contente de mim,
Do meu Damo estou contente.
Chora amante e com verdade,
Vendo e deixando de ver:
Vendo, chora com prazer;
Não vendo, com saudade:
Nesta, pois, conformidade
Cada qual de nós se inflama,
E eu, com quem tão bem me ama,
Quisera no mesmo estilo
Que em mim derramara aquilo
Que diz que por mim derrama.
É tenro, amoroso e brando,
Sendo no trabalho duro,
E, se com queixas o apuro,
Dá satisfações chorando:
De sorte que vive amando,
E diz que tanto se inflama,
Que ele só sente e derrama,
E que ele só pena e adora,
Que chora na grade e chora
Muitas lágrimas na cama.
Chora de noite e de dia,
Sempre a agradar-me disposto,
Lágrimas que me dão gosto,
Porque nascem de alegria:
De sorte que eu chore ou ria,
Sempre me faz só contente,
E, quando estas ânsias sente,
Diz que estas lágrimas são
Sangue do seu coração.
Não sei se é assim ou se mente.
Fonte: "Obra Poética", Editora Record, 1992.
Originalmente publicado em códices da segunda metade do século XVII.