Lira XXVI

Imagem de Thomaz Antônio Gonzaga

Poema de Thomaz Antônio Gonzaga



Tu não verás, Marília, cem cativos
Tirarem o cascalho e a rica terra,
Ou dos cercos dos rios caudalosos,
       Ou da minada serra.

Não verás separar ao hábil negro
Do pesado esmeril a grossa areia,
E já brilharem os granetes de ouro
       No fundo da bateia.

Não verás derrubar os virgens matos;
Queimar as capoeiras ainda novas;
Servir de adubo à terra a fértil cinza;
       Lançar os grãos nas covas.

Não verás enrolar negros pacotes
Das secas folhas do cheiroso fumo;
Nem espremer entre as dentadas rodas
       Da doce cana o sumo.

Verás em cima da espaçosa mesa
Altos volumes de enredados feitos;
Ver-me-as folhear os grandes livros,
       E decidir os pleitos.

Em quanto revolver os meus consultos,
Tu me farás gostosa companhia,
Lendo os fatos da sábia mestra história
       E os cantos da poesia.

Lerás em alta voz a imagem bela,
Eu vendo que lhe dás o justo apreço,
Gostoso tornarei a ler de novo
       O cansado processo.

Se encontrares louvada uma beleza,
Marília, não lhe invejes a ventura,
Que tens quem leve à mais remota idade
       A tua formosura.



Fonte: "Marília de Dirceu", Irmãos Garnier Editores, 1862.
Originalmente publicado em: "Marília de Dirceu", 1792.

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