Lira V - Tomás Antônio Gonzaga

Tomás Antônio Gonzaga, poeta do Arcadismo brasileiro

Tomás Antônio Gonzaga



Acaso são estes
Os sítios formosos
Aonde passava
Os anos gostosos?
São estes os prados
Aonde brincava,
Enquanto pastava
O manso rebanho
Que Alceu me deixou?
       São estes os sítios?
       São estes; mas eu
       O mesmo não sou.
       Marília, tu chamas?
       Espera que eu vou.

Daquele penhasco
Um rio caía,
Ao som do sussurro
Que vezes dormia!
Agora não cobrem
Espumas nevadas
As pedras quebradas:
Parece que o rio
O curso voltou.
       São estes os sítios?
       São estes; mas eu
       O mesmo não sou.
       Marília, tu chamas?
       Espera que eu vou.

Meus versos alegre
Aqui repetia:
O eco as palavras
Três vezes dizia.
Se chamo por ele
Já não me responde;
Parece se esconde,
Cansado de dar-me
Os ais que lhe dou
       São estes os sítios?
       São estes; mas eu
       O mesmo não sou.
       Marília, tu chamas?
       Espera que eu vou.

Aqui um regato
Corria sereno
Por margens cobertas
De flores e feno:
À esquerda se erguia
Um bosque fechado;
E o tempo apressado,
Que nada respeita,
Já tudo mudou.
       São estes os sítios?
       São estes; mas eu
       O mesmo não sou.
       Marília, tu chamas?
       Espera que eu vou.

Mas como discorro?
Acaso podia
Já tudo mudar-se
No espaço de um dia?
Existem as fontes
E os freixos copados;
Dão flores os prados
E corre a cascata,
Que nunca secou.
       São estes os sítios?
       São estes; mas eu
       O mesmo não sou.
       Marília, tu chamas?
       Espera que eu vou.

Minha alma, que tinha
Liberta a vontade,
Agora já sente
Amor e saudade.
Os sítios formosos
que já me agradaram,
Ah! não se mudaram!
Mudaram-se os olhos,
De triste que estou.
       São estes os sítios?
       São estes; mas eu
       O mesmo não sou.
       Marília, tu chamas?
       Espera que eu vou.




Fonte: "Marília de Dirceu", Impressão Regia, 1810.
Originalmente publicado em: "Marília de Dirceu", 1792.