Lira II (parte II)

Imagem de Thomaz Antônio Gonzaga

Poema de Thomaz Antônio Gonzaga



        Morri, ó minha bela:
        Não foi a parca ímpia
        Que, na tremenda roca,
        Sem ter descanso, fia;
Não foi, digo, não foi a morte feia,
Quem o ferro moveu e abriu no peito
        A palpitante veia.

        Eu, Marília, respiro;
        Mas o mal que suporto
        É tão tirano e forte,
        Que já me dou por morto:
A insolente calúnia depravada
Ergueu-se contra mim, vibrou da língua
        A venenosa espada!

        Inda, ó bela, não vejo
        Cadafalso enlutado,
        Nem de torpe verdugo
        Braço de ferro armado;
Mas vivo  neste mundo, ó sorte ímpia,
E dele só me mostra a estreita fresta
        O quando é noite ou dia.

        Olhos baços, sumidos,
        Macilento, escarnado,
        Barba crescida, hirsuta,
        Cabelo desgrenhado;
Ali que imagem tão digna de piedade!
Mas é, minha Marília, como vive
        Um réu de majestade.

        Venha o processo, venha;
        Na inocência me fundo:
        Mas não morreram outros
        Que davam honra ao mundo?
O tormento, minha alma, não recuses:
A quem sábio cumpriu as leis sagradas
        Servem de sólio as cruzes.

Tu, Marília, se ouvires
Que ante o teu rosto aflito
O meu nome se ultraja
Com o suposto delito,
Dize severa assim em meu abono:
- Não toma as armas contra um cetro justo
Alma digna de um trono.



Fonte: "Marília de Dirceu", Irmãos Garnier Editores, 1862.
Originalmente publicado em: "Marília de Dirceu", 1792.

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