Lira XVIII
Poema de Thomaz Antônio Gonzaga
Eu, Glauceste, não duvido
Ser a tua Eulina amada
Pastora formosa,
Pastora engraçada;
Vejo a sua cor de rosa,
Vejo o seu olhar divino,
Vejo os seus purpúreos beiços,
Vejo o peito cristalino;
Nem há coisa que assemelhe
Ao crespo cabelo louro :
Ah que a tua Eulina vale,
Vale um imenso tesouro!
Ela vence muito, e muito
A laranjeira copada,
Estando de flores
E frutos ornada:
É, Glauceste, os teus amores,
E nem por outra pastora
Que menos dotes tivera
Ou que menos bela fora,
O meu Glauceste cansara
As divinas cordas de ouro:
Ah que a tua Eulina vale,
Vale um imenso tesouro!
Sim, Eulina é uma Deusa;
Mas anima a formosura
De uma alma de fera;
Ou inda mais dura.
Ah! quando Dirceu pondera
Que o seu Glauceste suspira,
Perde, perde o sofrimento,
E qual enfermo delira!
Tenha embora brancas faces,
Meigos olhos, fios de ouro;
A tua Eulina não vale,
Não vale imenso tesouro.
O fuzil que imita a cobra,
Também aos olhos é belo :
Mas quando alumia,
Tu tremes de vê-lo.
Que importa se mostre cheia
De mil belezas a ingrata?
Não se julga formosura
A formosura que mata.
Evita, Glauceste, evita
O teu estrago e desdouro:
A tua Eulina não vale,
Não vale imenso tesouro.
A minha Marília quanto
A natureza não deve!
Tem divino rosto
E tem mãos de neve.
Se mostro na face o gosto,
Ri-se Marília contente:
Se canto, canta comigo,
E apenas triste me sente,
Limpa os olhos com as tranças
Do fino cabelo louro.
A minha Marília vale,
Vale um imenso tesouro.
Fonte: "Marília de Dirceu", Irmãos Garnier Editores, 1862.
Originalmente publicado em: "Marília de Dirceu", 1792.