A distância da bem-amada

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Poema de Jorge de Lima



Do princípio do mundo venha a Bem-Amada.
Venha úmida do primeiro dia, venha.
Venha da vontade de Deus a Bem-Amada,
venha do primeiro sono a Bem-Amada, venha.
Ela deu água a um samaritano e sumiu.
Atrás da montanha piscou numa estrela e sumiu.
Colheu urna tarde de Booz e sumiu.
A bem-Amada floriu nas vinhas, floriu nas sarças,
floriu nos cedros sagrados e sumiu.
Floriu no templo de Salomão e sumiu.
Onde está a Bem-Amada?
Rainha de Sabá lavaste os pés da Bem-Amada?
Eu sinto parcelas de sua presença,
eu sinto a sua chegada e a sua fuga.
Onde é que ela está?
Debaixo da lua entre gelos uivam lobos.
A Bem-Amada passou imensa como um iceberg e sumiu.
Atrás da montanha piscou numa estrela e sumiu.
Bebeu em Caná e sumiu.
Desceu no meu sonho e sumiu.
Quero lutar com anjos pela Bem-Amada.
Quero me salvar pela Bem-Amada.
Debaixo da lua entre gelos uivam lobos.
Foi a Bem-Amada que passou no vento violento,
vestida de neve com a filha da estrela.
Eu sinto a Bem-Amada, a sua presença, a sua fuga,
o seu vestido de nuvens, o seu hálito de floresta.
Debaixo da lua entre gelos uivam lobos.
Lá anda a louca - a Bem-Amada cantando.
A filha da estrela caiu lá no mar.



Fonte: "Obra Poética", Editora Getulio Costa, 1949.
Originalmente publicado em: "Tempo e eternidade", 1935.

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