Pai João
Poema de Jorge de Lima
Pai João secou como um pau sem raiz. -
Pai João vai morrer.
Pai João remou nas canoas. -
Cavou a terra.
Fez brotar do chão a esmeralda
Das folhas - café, cana, algodão.
Pai João cavou mais esmeraldas
Que Paes Leme.
A filha de Pai João tinha um peito de
Turina para os filhos de ioiô mamar:
Quando o peito secou a filha de Pai João
Também secou agarrada num
Ferro de engomar.
A pele de Pai João ficou na ponta
Dos chicotes.
A força de Pai João ficou no cabo
Da enxada e da foice.
A mulher de Pai João o branco
A roubou para fazer mucamas.
O sangue de Pai João se sumiu no sangue bom
Como um torrão de açúcar bruto
Numa panela de leite. -
Pai João foi cavalo pra os filhos do ioiô montar.
Pai João sabia histórias tão bonitas que
Davam vontade de chorar.
Pai João vai morrer.
Há urna noite lá fora como a pele de Pai João.
Nem uma estrela no céu.
Parece até mandinga de Pai João.
Fonte: "Obra Poética", Editora Getulio Costa, 1949.
Originalmente publicado em: "Poemas", 1927.