Consolação nas lágrimas

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Poema de Gonçalves Dias



Com o é belo à meia-noite
    O azul do céu transparente,
Quando a esfera d’alva lua
    Vagueia mui docemente,
Quando a terra não ruidosa
    Toda se cala dormente,
Quando o mar tranqüilo e brando
    Na areia chora fremente!

Como é belo este silêncio
    Da terra todo harmonia,
Que aos céus a mente arrebata
    Cheia de meiga poesia!
Como é bela a luz que brilha
    Do mar na viva ardentia!
Este pranto como é doce,
    Que entorna a melancolia!

Esta aragem como é branda
    Que enruga a face do mar,
Que na terra passa e morre
    Sem nas folhas sussurrar!
Os sons d’aéreo instrumento
    Quisera agora escutar,
Quisera mágoas pungentes
    Neste silêncio olvidar!

O azul do céu, nem da lua
    A doce luz refletida,
Nem o mar beijando a praia,
    Nem a terra adormecida,
Nem meigos sons, nem perfumes.
    Nem a brisa mal sentida,
Nem quanto agrada e deleita,
    Nem quanto embeleza a vida;

Nada é melhor que este pranto
    Em silêncio gotejado,
Meigo e doce, e pouco e pouco
    Do coração despegado;
Não soro de fel, mas santo
    Frescor em peito chagado;
Não espremido entre dores,
    Mas quase em prazer coado!



Fonte: "Poesia completa e prosa escolhida", Editora José Aguilar, 1959.
Originalmente publicado em: "Segundos Cantos", 1848.

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