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Poema de Mário de Andrade



Doçura da pobreza assim...
Perder tudo o que é seu, até o egoísmo de ser seu,
Tão pobre que possa apenas concorrer pra multidão...
Dei tudo o que era meu, me gastei no meu ser,
Fiquei apenas com o que tem de toda a gente em mim...
Doçura da pobreza assim...

Nem me sinto mais só, dissolvido nos homens iguais!

Eu caminhei. Ao longo do caminho,
Ficava no chão orvalhado da aurora,
A marca emproada dos meus passos.
Depois o sol subiu, o calor vibrou no ar
Em partículas de luz dourando e sopro quente.

O chão queimou-se e endureceu.
O sinal dos meus pés é invisível agora...
Mas sobra a Terra, a Terra carinhosamente muda,
E crescendo, penando, finando na Terra,
Os homens sempre iguais...

E me sinto maior, igualando-me aos homens iguais!...



Fonte: "Poesia completa", Editora Itatiaia, 1987.
Originalmente publicado em: "Remate de males", 1930.


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