Poeminha do amarelo
Poema de Henriqueta Lisboa
De noite o amarelo morre.
Por que de noite o amarelo
morreria se de dia
paleta de sol que escorre
com de ouro rútila auréola
trabalha através de vítreos
anteparos desde a aurora?
Na sua faina de artista
o sol com pincéis de espiga
é o próprio dom do amarelo.
Pinta num calor de incêndio
as plumas louras do ipê.
Logo por mero prazer
pinta pintainhos broncos,
pinta um por um grão de areia
praia de areias ao longo.
Todavia sem o afinco
do dia que a cor lhe empresta
para espelhar-se mais belo,
eis que por alto e longínquo
o manancial que o socorre
morre de noite o amarelo.
Fonte: "Obra completa", Editora Peirópolis, 2020.
Originalmente publicado em: "Além da imagem", Livros de Portugal, 1963.