Os indícios

Imagem Henriqueta Lisboa

Poema de Henriqueta Lisboa



No matiz da flor
entre cor e cor

aos filtros da seda
de furtiva hortênsia,
quando o rosa dúbio
se esbate na meia
candidez do azul,

palpita às ocultas
o calor da seiva.
Ao rapto das ondas
umas após outras
em fluxo e refluxo
tangidas, carreadas
pelos ventos vários
para além dos âmbitos
à escala das nuvens,

preside o volume
das águas oceânicas.

Através do frágil
suspiro impreciso
que do arfar dos seios
ao sopro dos lábios
- por simples pudor,
mágoa ou desespero -
quase nem assoma,

nítidas passeiam
as garras do amor.

A perfeita fluência
do instante falaz
- nota unida à fluida
coroa da música
em verdes, volúveis
sub-reptícias redes -

porventura, acaso
surpreende o perene.




Fonte: "Obra completa", Editora Peirópolis, 2020.
Originalmente publicado em: "Além da imagem", Livros de Portugal, 1963.