O saltimbanco
Poema de Henriqueta Lisboa
Brinca com a morte o saltimbanco.
Que morte? A de soltos cabelos
e corpo elástico de onda,
gêmea, esposa, parelha?
Será morte igual à outra,
esta com que o saltimbanco
brinca, nos fios ariscos,
dançante na bicicleta,
no galope do ar com flores
vencendo de um salto a abóboda?
Será outra, acaso fúlgida
como os acenos da turba
enlouquecida de vinhos
em cascata despenhando-se
pelas montanhas da aurora?
Será mais bela que a vida
a morte do saltimbanco
- Ofélia sorrindo n’água
com fascínio de amante
e seios deliquescentes?
Ah, o saltimbanco brinca:
lírio em voo de núpcias.
Fonte: "Obra completa", Editora Peirópolis, 2020.
Originalmente publicado em: "Flor da morte", Edições João Calazans, 1949.