O alferes na cadeia - Murilo Mendes

Murilo Mendes - poeta de segunda geração do modernismo brasileiro

Poema de Murilo Mendes



Antes eu fosse Dirceu,
Vivesse aos pés da mulata
Desfiando o lundu do amor,
Fazendo crochet de noite,
Do que estar como estou:
Os dentes me arrancaram,
Incendeiam meu chalet;
Não pude livrar ninguém
Da escravidão atual;
Arranjei foi mais um escravo,
Eu mesmo, entrei na cadeia;
Tirei retrato de herói,
Mostrei a mestre Silvério
Os planos desta revolta;
Pareço com aviador
Que faz viagem no pólo,
Queria mesmo morrer;
Sentei na cadeira elétrica,
Morro, inda mesmo que tarde
A morte que sempre sonhei,
- Não essa morte vulgar,
Apagada, clandestina:
Eu quero morrer de herói,
Eu amo a posteridade;
Comecei me lamentando
De não ser como Dirceu,
Mas é só pra tapear;
Acabei me convencendo
Que não há nada melhor
Do que a gente ser herói;
Eu amo a posteridade,
Quero nome no jornal,
Estátua na praça pública,
Vejam a minha vocação!...
Vamos, apertem o botão.




Fonte: "Poesia completa e prosa", Nova Aguilar, 1994.
Originalmente publicado em: "História do Brasil", Edição de Ariel, 1932.