Motivos de Ouro Preto I - Murilo Mendes
Poema de Murilo Mendes
Assombrações que sobem do barroco,
Das ladeiras e dos crucifixos esquálidos,
Frias portadas de pedra, anjos torcidos,
Passantes conduzindo aos ombros o passado,
Cemitérios aéreos de adros largos
Onde noturnos seresteiros cantam,
Seguindo-se de violas e violões,
Aos defuntos colados nas gavetas:
A experiência de sombras trasladadas
De procissões civis, eclesiásticas,
De antigo túnel de conspiração;
A água escapando pelos chafarizes,
As cicatrizes que o minério abriu;
Tantos Passos fechados o ano inteiro,
Ruinas de solares e sobrados
Onde pairam espectros de poetas,
De padres doidos, de reformadores;
Algarismos gravados nas carrancas
A presença do tempo traduzindo,
O silêncio ao silêncio se juntando
Nesses becos e vielas embuçados;
A reunião de natureza e arte
Por um gênio severo combinadas,
O espirito levando à sua origem
Despojado de efêmeros enfeites,
A patina paciente de Ouro Preto
Sobre aparências estendendo um véu;
Tudo aparelha a mente para a morte,
Mas a morte em si mesma, a própria morte,
Privada de artifício, a morte chã.
E contra a dispersão das ossadas no tempo,
Que o amor à forma e a Promessa repelem,
Da pedra o testemunho antigo se levanta,
Poder do Itacolomi - e o da Pedra perene.
Fonte: "Poesia completa e prosa", Nova Aguilar, 1994.
Originalmente publicado em: "Contemplação de Ouro Preto", Ministério da Educação e Cultura, 1954.
Fonte: "Poesia completa e prosa", Nova Aguilar, 1994.
Originalmente publicado em: "Contemplação de Ouro Preto", Ministério da Educação e Cultura, 1954.
