Diante da morte
Poema de Henriqueta Lisboa
Diante da morte não sou de água
nem sou de vento, mas de pedra.
Órbitas frígidas de estátua,
boca cerrada de quem nega.
Rudes cadeias me restringem,
corda entrançada no pescoço,
fosco cilício em torno aos rins,
ossos fundidos uns nos outros.
Diante da morte sou espessa
rocha de oceano - desconheço
que espécie de onda ou mar se atira
contra meu peito empedernido.
Se eu fosse ao menos como o bronze
ressoante, ou como a estrela infiel,
rompera as linhas do horizonte,
despedaçara-me em reflexos.
Flocos de espuma, tenras nuvens
descendo o rio, voando na alba,
dulçor aéreo dos dilúculos,
azul, fluidez, vago lunar,
levai-me fora de meus âmbitos,
amortecei-me com propícios
bálsamos, óleos e suspiros,
até a aparição da lágrima.
Fonte: "Obra completa", Editora Peirópolis, 2020.
Originalmente publicado em: "A face lívida", 1945.