1500 - Murilo Mendes


Poema de Murilo Mendes



A imaginação do Senhor
Flutua sobre a baía.
As pitangas e os cajus
Descansam o dia inteiro.
O céu, de manhã à tarde,
Faz pinturas de baú.
O Pão de Açúcar sonhou
Que um carro saiu da Urca
Transportando com amor
Meninas muito dengosas,
Umas, nuinhas da silva,
Outras, vestidas de tanga,
E mais outras, de maillot.
Chega um índio na piroga,
Tira uma gaita do cinto,
Desfia um lundu tão bom
Que uma índia sai da onda,
Suspende o corpo no mar.
Nasce ali mesmo um garoto
Do corpo moreno dela,
No dia seguinte mesmo
O indiozinho já está
De arco e flecha na mão,
Olhando pro fim do mar.
De repente uma fragata
Brotou do chão da baía,
Sai um velho de tamancos,
Fica em pé no portaló,
Dá um grito: "Bofé,vilões!
Descobrimos um riacho
E a fruta aqui é bem boa."
No mesmo instante o garoto
Lhe respondeu: "Sai, azar!"
Despede uma flecha no velho
Que olha pro índio mais velho
Cheiinho de barbas brancas,
Pensa que é Dão Sebastião,
Dá um tremor no seu corpo
E zarpou para Lisboa.




Fonte: "Poesia completa e prosa", Nova Aguilar, 1994.
Originalmente publicado em: "História do Brasil", Edição de Ariel, 1932.