Partida
Poema de Cecília Meireles
Do trigo semeado, da fonte bebida,
do sono dormido, vou sendo levada...
Os outros não sentem que estou de partida,
sem mapa, sem guia - com data marcada.
No estrondo das guerras, que valem meus pulsos?
No mundo em desordem, meu corpo que adianta?
A quem fazem falta, nos campos convulsos,
meus olhos que pensam, meu lábio que canta?
Por dentro das pedras, das nuvens, dos mares,
cruzando com as águias, os mortos, os peixes,
vou sendo levada para outros lugares,
ó mundo sem deuses, sem sonhos, sem lares!
embora me prendas, para que me deixes!
Fonte: "Obra poética", Editora Nova Aguilar, 1983.
Originalmente publicado em: "Vaga Música", 1942.