Fraga e sombra

Imagem de Carlos Drummond de Andrade

Poema de Carlos Drummond de Andrade



A sombra azul da tarde nos confrange.
Baixa, severa, a luz crepuscular.
Um sino toca, e não saber quem tange
é como se este som nascesse do ar.

Música breve, noite longa. O alfanje
que sono e sonho ceifa devagar
mal se desenha, fino, ante a falange
das nuvens esquecidas de passar.

Os dois apenas, entre céu e terra,
sentimos o espetáculo do mundo,
feito de mar ausente e abstrata serra.

E calcamos em nós, sob o profundo
instinto de existir, outra mais pura
vontade de anular a criatura.



Fonte: "Poesia completa", Editora Nova Aguilar, 2006.
Originalmente publicado em: "Claro enigma", 1951.

Tecnologia do Blogger.